Django Unchained







Como esse sendo um dos primeiros textos da Sidequest, sinto-me meio estranho em construir uma introdução mais próxima do público - que está por vir, seguindo uma linha de pensamento positivo. Então vou deixar uma pequena explicação de como será essa coluna chamada Libra. Ela trará sempre textos, geralmente opiniões, críticas ou primeiras impressões de filmes/jogos/animes ou algo do tipo, o qual assistimos/jogamos em um dia qualquer mas que chamou nossa atenção. Dito isso, clique em Leia mais caso queira ler um “review” imparcial de um fanboy do Tarantino. ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS


Pra quem não sabe, Quentin Tarantino é um diretor e roteirista muito famoso, ele fez filmes como Kill Bill, Pulp Fiction, Resevoir Dogs (Cães de Aluguel), o recente Bastardos Inglórios e o recém lançado Django Unchained - ou "Django Livre", na tradução PT-BR. Uma das características mais marcantes do Tarantino é a quantidade, considerada por muitos "excessiva", de violência. Um filme do Tarantino sem sangue não é do Tarantino. Embora não sejam todos completamente ensanguentados como Kill Bill, sempre há alguma cena bem violenta em seus filmes. E Django não fugiu à regra, ainda mais por ser um filme western.


Devo dizer também que sempre gostei de filmes que retratam a escravidão, ou algum momento histórico onde um povo sofreu sob as mãos de outro, como nazismo, apartheid, etc. E Django se passa em meados da Guerra Civil americana - não me pergunte datas, ainda mais sobre a história dos States, só soube que se passava próximo da Guerra Civil porque apareceu escrito no início do filme - onde havia o comércio de escravos negros, cowboys, e aquelas típicas cidades do faroeste de uma rua só, com um Saloon e tudo mais. Como costumávamos encontrar nos desenhos dos Looney Tunes. E em relação à parte técnica do filme não há muito o que dizer: a fotografia do mesmo estava espetacular. Assim como a direção de arte, e trilha sonora. O que já era esperado de um filme com um elenco de peso: Samuel Jackson, Leonardo di Caprio, Jamie Foxx, e por aí vai.

Mas voltando à trama, o filme começa com Django acorrentado com outros escravos, sendo levados por seus respectivos senhores que estavam à cavalo e bem agasalhados enquanto os pobres escravos seguiam apenas com uma manta no rígido inverno norte americano. Até que é apresentado um dos personagens principais do filme, o Dr. King Schultz, interpretado por Christoph Waltz. Ele encontra os dois senhores e seus escravos à noite a fim de comprar Django para si. A cena tem um diálogo interessante e instigante, com várias informações que só saberíamos seu significado depois, enquanto Schultz interroga Django que acaba irritando os dois donos dos escravos e então o Dr. acaba com os dois sacando sua pistola rapidamente e atirando-os em cheio, naquelas típicas cenas de faroeste: saques rápidos, e tiros certeiros. Schultz leva Django consigo e liberta os outros escravos e aí começa o filme.

Schultz revela ser um caçador de recompensas, o qual procura e mata alvos procurados por lei, os "wanted dead or alive" dos filmes de faroeste. E pede a ajuda de Django que dificilmente se recusaria, afinal, como é dito várias vezes no filme, qual negro não gostaria de sair por ai matando caras brancos? E ainda ser pago por isso. Mas Django quer acima de tudo, reencontrar sua amada esposa Broomhilde que fala alemão, mas até lá, ele segue caçando cabeças.


Então o filme segue mostrando algumas missões dos caçadores de recompensas. A trilha sonora entre uma cena e outra mostra-se impecável. Há desde músicas mais antigas, bem western-like até um hip hop atual, carregado com o sotaque negro americano, que transpassam e não nos deixam esquecer durante o filme que apesar de ser um longa-metragem de cowboys, é acima de tudo um filme de negros, e a ascensão de um à sua alforria. E nada melhor do que um rap badass enquanto Jamie Foxx seguia a cavalo, representando um negro livre, capaz de matar todos que o impedissem de alvejar sua amada, mas de bom caráter -  o que causa muitos olhares tortos das pessoas brancas durante a trama. Muitos planos durante o filme são a troca de olhares entre Django e o Dr. Schultz enquanto cavalgam com as pessoas brancas, a maioria das vezes com uma expressão mais indignada do que surpresa ao ver um negro montando num cavalo, a sua frente.

Outro ponto interessante, mas já esperado de um filme Tarantinesco, é a presença de algum diálogo meio nonsense e deveras engraçado - algumas vezes ocasionado apenas pelo fato de haver algo hilário num filme violento/sério - se comparado com a temática e seriedade dele, ou a extrema violência de algumas cenas. Há uma cena memorável onde um grupo de homens brancos decide fazer uma emboscada e acabar com os dois caçadores de recompensas enquanto estes dormiam num vale. Isso tudo durante à noite, usando máscaras que na verdade são sacos brancos cortados com dois furinhos para os olhos, e todos à cavalos com tochas. Porém, enquanto o grupo discute as últimas coisas antes de descer a montanha para executar o plano, alguém começa a reclamar que não consegue enxergar nada com aqueles sacos na cara, “Que os furos são muito pequenos”, e logo surge uma baderna. Então o cara a qual a esposa gastou o dia todo pra fazer os capuzes fica revoltado com a ingratidão deles e vai-se embora. Mas tudo isso com um diálogo muito engraçado, mais ou menos como aqueles onde há o chefe e o capanga burro, só que dessa vez ampliado para um chefe burro e 50 capangas mais burros ainda. Mas, ao mesmo tempo que essa cena pode ser considerada uma das mais ofensivas do filme, ela pode não ser tão ofensiva como uma outra cena onde dois negros são obrigados a lutar até a morte, enquanto aristocratas ficam sentados observando a luta, mas é bem instigante. A referência à Ku Klux Klan é clara nessa cena, onde vários homens, todos brancos, com capuzes brancos e ainda com o objetivo de assassinar Django (o homem negro). Mas a comicidade da cena é fantástica. Tarantino aí deixa exposto quase um paradoxo. Afinal, podemos fazer comédia a respeito de um assunto tão sério/delicado? Seria essa uma cena onde só a parte branca da plateia daria risadas ou a parte negra também? Poderíamos culpá-los por isso? Bem, isso daria um outro texto bem grande para a discussão, mas fica claro o “mind game” que Tarantino deixou nessa cena. E anyway, minha mãe é branca e meu pai é negro. Ambos riram, então acho que está tudo ok. Outra cena que gerou muitas risadas na sala de cinema foi o primeiro vestuário que Django teve a liberdade de comprar, que foi ainda maximizada pela trilha sonora western que tocava ao fundo enquanto Django praticamente desfilava sobre seu cavalo em vestes de tom azul-oiestouaquimevejambrilhar.



O filme chega a ter quase 3h de duração porém, em nenhum momento senti que o filme ficara lento demais, ou tedioso, pelo contrário. Tarantino conseguiu desenvolver a trama com calma utilizando alívios cômicos nos momentos certos bem como as cenas de viagem com o sol no horizonte e alguma música de fundo para finalizar a beleza do cenário. As cenas de tensão também cumpriram seu papel de maneira exemplar. Havia momentos que, junto com o fato de não saber a duração do filme, eu realmente pensei que o filme poderia acabar ali, logo depois dessas cenas. O herói afunda em alguns momentos e a trama segue uma linha que aparenta ser tão "conclusiva" e propícia para a ser seguida pelos créditos finais que você realmente fica inquieto na cadeira querendo saber o que está por vir ainda.

Em relação aos atores, todos atuaram muito bem, até o Leonardo di Caprio o qual não sou muito fã, me surpreendeu em alguns momentos. Mas o destaque ao meu ver, foi Samuel Jackson. Não sei se foi apenas maquiagem mas ele me pareceu muito mais preto do que ele realmente é, deixando o personagem bem crível, que era um velho manco, resmungão, negro e lacaio do "vilão" interpretado pelo di Caprio. O seu sotaque e maneira de falar remeteram muito ao seu papel em Pulp Fiction como Jules Winnfield. Sério, caso ele dissesse “mothafucka” ou “I double dare you” algumas vezes eu seria capaz de confundi-los.


Django se destaca por ser meio que um "neo-western", não sei explicar muito bem esse fato, mas se você comparar Django com algum filme de western clássico vai entender o que estou dizendo. Mesmo com os cartazes de procurado, cavalos e latifúndios, o cowboy resgatando/encontrando finalmente sua amada, as típicas cenas de cerco com 100 homens com rifles apontados pra alguém ou a porta de um estabelecimento onde o mocinho está se escondendo, o filme tem uma pegada mais atual. A linguagem do filme, os diálogos e o estilo do roteiro são atuais. E sem dúvida, este é um filme que recomendo para qualquer apreciador da nona arte em geral.