Fora da Caixa pt.1 : Cérebro, The Padrão Eater
Sempre foi muito discutido a “eficiência” de dois principais tipos de narrativa: linear e não linear. Não só em jogos mas em filmes, livros e tudo mais. Uma aparentemente é mais simples de se construir por sua estrutura ser de fato mais simples. Enquanto a outra exige inevitavelmente um planejamento maior. Mas a frequência de aparição dos elementos que irão compor as duas, como suspense, conflitos, apresentação de personagens/universo , o desenvolvimento da narrativa em si e afins é bem distinto. Esse ritmo, esse passo, esse Pacing, é um aspecto de extrema importância - ainda mais para um jogo - pois será um fator determinante para se definir a qualidade da mídia/narrativa. Na verdade, diria até essencial.
Sem pacing o jogo quebra. E é partindo do conceito desse termo que convido-os à pensarem fora da caixa (spoiler alert: de Skinner) comigo nesse texto cheio de assuntos pertinentes e interconectados (que para não ficar gigantesco, irei separar em partes - vide Jack Estripador -).
O termo pacing, vem de pace que significa “passo”, “ritmo” em inglês. No contexto dos jogos ele está ligado à frequência de aparição de desafios e novos elementos para o jogador. Mas antes de entendermos o que faz e como fazer um bom pacing, precisamos entender melhor como nosso cérebro pensa.
Nosso cérebro ama aprender. Isso mesmo. Talvez você não goste de estudar física ou literatura, mas seu cérebro de fato AMA aprender. E ele te/se recompensa com uma certa quantidade de dopamina, que é o neurotransmissor responsável por aquela sensação dlç de dever comprido, o prazer de realizar algo dificil, etc. E essa descarga de dopamina a fim de nos premiar pelos nossos objetivos alcançados é uma medida natural para o desenvolvimento da espécie. Se isso não acontecesse, provavelmente seríamos humanos de ciclo: come, bebe, dorme. Esse sentimento agradável de ter realizado algo importante pode ser mais ou menos prazeroso dependendo de quão difícil foi concluir essa realização. Muitas pessoas se viciam em jogos muito por causa desse fator. Como nas nossas vidas conseguir um emprego novo, se casar, ter filhos, etc., não são coisas recorrentes, os jogos estão aí para suprir a nossa "abstinência" de dopamina através de pequenas doses que recebemos ao passar de fase, evoluir um level ou virar um jogo.
Seu cérebro também, automaticamente, procura padrões em tudo que é coisa. Tanto que se olharmos essas próximas imagens, que são basicamente 2 pontos e um risco,
Seu cérebro também, automaticamente, procura padrões em tudo que é coisa. Tanto que se olharmos essas próximas imagens, que são basicamente 2 pontos e um risco,
nosso cérebro já preenche o restante e identifica um rosto com alguma expressão, ou assemelha ao sentimento de “felicidade”, "nervoso" ou "triste". Porque ele precisa achar um padrão, uma ordem nas coisas. Mas de fato, nosso cérebro tem uma grande capacidade de reconhecimento facial. Na imagem seguinte
nosso cérebro claramente já tem quase certeza de que há um rosto ali, e de fato há. Nessa outra imagem também é possível encontrar um outro rosto
mas já começamos a não saber se esse rosto é de algum animal, uma pintura, algum personagem.
SQN
É só um prato de comida, como podem ver. Nosso cérebro embora seja muito esperto também pode nos enganar, ilusões de ótica são outra prova disso. Porém, fica evidente como o cérebro naturalmente consegue identificar um rosto. Mas fazer um algoritmo para um software de reconhecimento facial é uma tarefa hercúlea. Caso você peça para alguém desenhar uma árvore provavelmente a pessoa vai desenhar algo tosco como esse,
ou caso você peça para ela desenhar um indivíduo ela provavelmente vai desenhar no estilo dos típicos bonecos palitos.
Porém como conseguimos entender esses desenhos com tão poucos traços? Isso porque nosso cérebro gosta de automatizar tudo, logo, ele preenche todas as informações faltantes e pega só as realmente necessárias (Tronco, galhos, folhas, frutos. Tronco, cabeça, membros). Tudo o que é irrelevante ele prescinde. A nossa rotina é um bom exemplo. Se você perguntar o que a pessoa fez hoje, provavelmente ela irá dizer: “acordei, tomei café, fui pro trabalho, blablabla”. Mas se você perguntar o que ela almoçou, qual a primeira pessoa que ela conversou, qual peça de roupa estava usando, aí sim ela terá que parar para pensar. Por isso num jogo é muito importante analisar com calma os elementos de jogo e fazer um bom beta test. Se houver muitas estratégias de gameplay, itens, whatever, provavelmente o jogador vai ignorar boa parte e vai prestar atenção somente naqueles itens que lhe forem interessantes.
Mas essa capacidade, como várias outras que fazemos com o tempo são automatizadas pelo nosso cérebro com a prática. Quando já aprendemos um padrão, nosso cérebro já o faz automaticamente. Na verdade, tudo o que realmente aprendemos na verdade foi a conclusão da automatização de mais uma tarefa. Veja por exemplo quando aprendemos a amarrar os cadarços. Só aprendemos MESMO, quando fazemos sem tem que pensar na atividade, fazemos de olhos fechados. Até então, estamos no processo de aprendizagem, de experimentação. Por isso que quando estamos aprendendo a dirigir parece muita coisa: cuidar o tráfego, a troca de marchas, a velocidade do carro, sinalização, etc. Tem gente que nem ouvir música consegue enquanto dirige. Mas depois que aprendemos, isso passa a ser feito no “piloto automático”, e a partir daí podemos conversar enquanto dirigimos, ouvir o rádio e até (embora seja contra a lei) usar o celular enquanto dirigimos. Tudo é uma questão de aprender um novo padrão e automatizá-lo.
Tendo tudo isso em mente, não é de se espantar que sua mente não gosta de olhar para algo e não identificar nada. Ao olharmos uma folha em branco, nossos olhos dançam pela folha em busca de algo para focar por alguns segundos, mesmo sabendo que não há nada lá - mas o seu cérebro quer encontrar. E quando ele encontra algo que ele não entende, há o que podemos de chamar de ruído (noise). Muitas pessoas não gostam de obras de arte mais abstratas justamente por isso, por não encontrarem padrão nenhum naquela imagem
Mas já se olharmos para a Monalisa encontraremos um rosto, uma pessoa, um padrão.
Ela até tem a golden section que é uma espécie de medida/proporção muito utilizada na arte, arquitetura e presenta em muitas obras da natureza, inclusive nos seres humanos e etc.
Bem melhor né? Ruído é bem irritante para o cérebro - assim como é irritante para o seu ouvido funk no ônibus - e quando encontrado, seu cérebro vai tentar entender o padrão, não vai conseguir, ruído, /quit. E ele vai ir a procura de outra tarefa. Por isso, ressalto mais uma vez a importância do pacing no game, do balanceamento.
Caso a dificuldade (ou a variação dela) seja muito alta ou muito baixa, seu cérebro vai ficar entediado/encontrar ruído e vai acabar desistindo do jogo. Mas um pouco de ruído também não é de todo ruim.
Veja por exemplo quando alguém nos apresenta uma música nova, ou quando vamos conhecer um novo estilo musical. Os estilos que gostamos nós já entendemos o padrão (instrumentos, ritmo, estrutura dos versos, refrão, etc), mas quando vamos ouvir um novo estilo, se este é muito discrepante dos estilos que costumamos ouvir, o ruído vai ser inevitável. Mas caso você comece a ouvir mais, preste atenção, e comece a tentar a entender a música, o ruído vai começar a sumir até quando você, sem nem perceber, estará balançando a cabeça ao ritmo da nova canção. Isso porque a descarga de dopamina quando se descobre um padrão difícil é ainda maior.
Então, depois de muito ruído, depois de muita dedicação, depois de muito tentar matar aquele boss, o prazer é ainda mais satisfatório. Mas cuidado. Se o ruído for grande demais, seu cérebro vai achar que o prazer de descobrir o padrão desse padrão-sem-padrão não valerá o esforço.
Caso a dificuldade (ou a variação dela) seja muito alta ou muito baixa, seu cérebro vai ficar entediado/encontrar ruído e vai acabar desistindo do jogo. Mas um pouco de ruído também não é de todo ruim.
Veja por exemplo quando alguém nos apresenta uma música nova, ou quando vamos conhecer um novo estilo musical. Os estilos que gostamos nós já entendemos o padrão (instrumentos, ritmo, estrutura dos versos, refrão, etc), mas quando vamos ouvir um novo estilo, se este é muito discrepante dos estilos que costumamos ouvir, o ruído vai ser inevitável. Mas caso você comece a ouvir mais, preste atenção, e comece a tentar a entender a música, o ruído vai começar a sumir até quando você, sem nem perceber, estará balançando a cabeça ao ritmo da nova canção. Isso porque a descarga de dopamina quando se descobre um padrão difícil é ainda maior.
Então, depois de muito ruído, depois de muita dedicação, depois de muito tentar matar aquele boss, o prazer é ainda mais satisfatório. Mas cuidado. Se o ruído for grande demais, seu cérebro vai achar que o prazer de descobrir o padrão desse padrão-sem-padrão não valerá o esforço.
Agora, depois de já saber tudo sobre como seu cérebro é uma coisa insaciável, que está querendo sempre aprender e tentar achar padrões em tudo, podemos começar a analisar questões sobre os tipos de narrativas, Pacing, gameplay, e vício nos games.